Meditação de Santo Afonso Maria de Ligório.
Sumário. Grande é a tristeza do viajante ao ver que errou o caminho quando já caiu a noite e não há tempo para reparar o engano. Incomparavelmente maior será, na hora da morte, a tua mágoa, meu irmão, se em via não tiveres aproveitado o tempo, ou, pior ainda, tivesses dele abusado para ofenderes ao Senhor. Como fui insensato! — dirias então chorando. Ó vida perdida! Em tantos anos, com tão grandes graças podia santificar-me e não o fiz... De que servirão então estas lamentações, quando a cena já estiver no fim e se aproximar o grande momento de que depende a eternidade?
I. NADA HÁ MAIS precioso que o tempo; e nada há que seja menos estimado e mais desprezado pelos mundanos. É o que fazia São Bernardo chorar: Nihil pretiosius tempore, sed nihil vilius aestimatur. Depois ele acrescenta: Transeunt dies salutis - Passam os dias oportunos para adquirir a salvação eterna e ninguém reflete que os dias que passam lhe são descontados para nunca mais voltarem. — Vê o jogador que gasta dias e noites no jogo. Se lhe perguntares: “Que estás fazendo?”, responderá: “Estou passando o tempo”. — Vê o ocioso que se entretém horas inteiras nas ruas, a ver quem passa, ou as desperdiça em conversas indecentes ou inúteis. Se lhe perguntares: “Que estás fazendo?”, responder-te-á igualmente: “Procuro passar o tempo”. Pobres cegos, que desperdiçam tantos dias que não voltam mais!
Desdenhado tempo! Tu serás o que os mundanos desejarão mais na hora da morte. Desejarão então mais um ano, mais um mês, mais um dia, mas não o terão, e ouvirão dizer: Tempus non erit amplius (Ap 10, 6) — "Não haverá mais tempo". Quanto não daria então cada um deles para ter mais uma semana, um dia, a fim de melhor ajustar as contas da consciência? Ainda que não fosse senão para obter uma só hora, diz São Lourenço Justiniano, ele daria todos os seus bens: Erogaret opes, honores, delicias pro una horula. Mas essa hora não lhe será dada.
— Apressa-te, lhe dirá o sacerdote que o estiver assistindo, — apressa-te em partir deste mundo; não há mais tempo para ti:
Proficiscere, anima christiana, de hoc mundo.
Ó meu Deus, dou-Vos graças por me concederdes o tempo para chorar os meus pecados e compensar pelo meu amor as ofensas que Vos fiz. Ai de mim! Que seria de minha alma, se me viessem agora anunciar a chegada de minha morte!
II. Exorta-nos o sábio a que nos lembremos de Deus e entremos em sua graça, antes que se nos apague a luz: Memento Creatoris tui, antequam tenebrescat sol et lumen (Ecl 12, 1-2). Que tristeza para um viajante o ver que errou o caminho quando já está caída a noite e não há tempo para reparar o engano! Tal será, na morte, a mágoa de quem tiver vivido muitos anos no mundo sem os empregar no serviço de Deus.
A consciência recordará então àquele homem descuidado o tempo que teve e que empregou em prejuízo da sua alma: todos os convites, todas as graças que recebeu de Deus para se santificar e de que se não quis aproveitar. Depois verá que lhe faltam os meios de fazer qualquer bem. Exclamará gemendo: — Como fui insensato! Ó tempo perdido! Ó vida perdida! Ó anos perdidos, durante os quais me podia santificar e não o fiz. Agora já não é tempo de o fazer... De que servirão, porém, estas lamentações e suspiros, quando a cena já está no fim, quando a lâmpada está próxima a apagar-se e quando o mundo está próximo do momento terrível de que depende a eternidade?
Apressai-Vos, ó meu Jesus, apressai-Vos a me perdoar. Que hei de esperar? Esperarei porventura até chegar ao cárcere eterno, onde com os outros réprobos teria de lamentar eternamente, dizendo:
Finita est aestas (Jr 8, 20) — “Findou-se o estio?”. Passou o tempo, e nós não nos salvamos! Não, meu Senhor, não quero mais resistir a vosso amoroso convite. Quem sabe se a presente meditação não é o último aviso que me dirigis? Ô soberano Bem, pesa-me de Vos haver ofendido e Vos consagro todo o tempo de vida que me resta. Não Vos quero mais causar desgostos; quero Vos amar sempre. Prometo-Vos que, cada vez que disto me lembrar, farei um ato de amor, a fim de remir o tempo perdido. Dai-me a santa perseverança. + Doce Coração de Maria, sede minha salvação.
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